Reabilitação pós-covid 19
- plexusjr
- 23 de out. de 2021
- 7 min de leitura
Introdução/Resumo
O vírus SARS-CoV-2 foi identificado, pela primeira vez, em Wuhan, China, no final de 2019. A doença causada por esse patógeno, chamada de Covid-19, se tornou a principal preocupação de saúde pública ao redor do mundo, se configurando, rapidamente, como uma pandemia.
Ainda há muito o que se descobrir sobre o mecanismo de infecção do novo coronavírus, mas já se sabe que ele utiliza de receptores do organismo humano para se fixar às células e infectar os mais diversos sistemas, principalmente o respiratório e, cada vez mais comumente, o cardiovascular e o renal.
O corpo humano possui receptores de membrana, que são proteínas ligadas à superfície das células, que regulam o que irá entrar e sair dela. Uma, em especial, chamada de enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2), demonstrou grande afinidade com o SARS-CoV-2. Uma vez que o vírus entra em contato com essa enzima, suas proteínas SPIKE se ligam à ela, iniciando o processo de infecção. Por se tratar de uma proteína multifuncional, a falta de ECA2 livre, ocasionado pelo SARS-CoV-2, desencadeia uma série de reações no organismo, como ativação do Sistema Nervoso Simpático (SNS), vasoconstrição sistêmica e aumento da pressão arterial, reações estas as quais contribuem ativamente para agravar o estado do indivíduo exposto ao agente patogênico.
O fato de a proteína ECA2 estar altamente expressa nos pulmões, no músculo cardíaco e nos vasos sanguíneos, faz com que, de início, o sistema cardiorrespiratório seja o mais acometido, pois, devido à infecção e às respostas imunológicas, além da insuficiência cardíaca e das mudanças relacionadas à pressão arterial, a troca gasosa nos alvéolos pulmonares seja prejudicada.
No entanto, o sistema renal, além de diversos outros, têm sido cada vez mais acometidos, sendo que a causa está possivelmente relacionada a uma resposta fisiológica do corpo para, por meio dos rins, manter a homeostase corporal, podendo resultar em outros problemas de saúde, como insuficiência renal aguda e proteinúria, além de problemas gastrointestinais e neurológicos.
Apesar disso, a covid-19 pode se comportar de maneira diferente em cada organismo. A maioria das pessoas que testam positivo para a doença apresentam sintomas leves que se assemelham aos de uma gripe comum, enquanto outra parcela pode ser assintomática, ou mesmo ter a forma de manifestação mais grave. Indivíduos portadores de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, doença pulmonar obstrutiva crônica e imunossuprimidos são considerados grupo de risco, assim como idosos, fumantes, gestantes, puérperas e crianças com menos de 5 anos.
Levando todas essas informações em consideração, fica clara a necessidade de um acompanhamento multidisciplinar e que se estenda após a alta daqueles que tiveram a doença, visto o amplo espectro de acometimentos do organismo, principalmente nos que foram internados e fizeram uso de ventilação mecânica, sendo esta invasiva ou não.
O fisioterapeuta é um dos profissionais de saúde na linha de frente na luta contra a covid-19 e têm um papel fundamental, tanto durante os momentos mais complicados da enfermidade, pensando principalmente nos casos graves que vão para as UTIs, quanto após a alta, na reabilitação do indivíduo e na melhora da qualidade de vida. Logo, é imprescindível um programa de reabilitação adequado, que se inicie ainda na fase hospitalar da doença e que leve em consideração as limitações e condições de cada um.
Caso Clínico
Paciente JB., sexo masculino, 66 anos, com sobrepeso (IMC 27kg/m²), hipertenso e diabéticos há aproximadamente 10 anos, chega ao atendimento com 3 dias de sintomas, como dispneia aos mínimos esforços (BORG 8 – intensa), tosse, perda do paladar (ageusia) e olfato (anosmia) e mialgia. No exame físico apresentava estado febril (37,8°C), frequência respiratória (FR) de 27 RPM, pressão arterial (PA) de 140×70 mmHg, e SpO2 de 87%. Paciente nega ser tabagista, alcoolista ou usuários de outras drogas e relata ainda que utiliza as medicações captopril e metformina para suas doenças de base.
Paciente ao ser internado na enfermaria realizou a tomografia Computadorizada (TC) de tórax, no qual apresentou opacidades múltiplas com 50% dos pulmões comprometido e coletou RT-PCR a partir do swab nasofaríngeo para confirmação da COVID-19. Os exames laboratoriais apresentaram:
- Hb: 12,1 / Leucograma: 12.300 / Plaquetas: 156 mil/ Ur: 45 / Cr: 1,1 / Na: 137 / K:
4,3 / PCR: 1,2/ Troponina I: 0,5/ Dímero-D: 2/ Creatinina: 1,8.
- Gasometria arterial: pH 7,44 / pO2: 60 / pCO2: 35 / HCO3: 24
A partir do quadro apresentado, paciente foi internado na UTI, onde necessitou de VNI (CPAP) 2 vezes ao dia, oxigenoterapia intermitente (máscara com reservatório a 6 litros) e fez uso de antibioticoterapia (azitromicina), anti-inflamatório (nimesulida), analgésicos e diuréticos (furosemida). Após 8 dias de internação na UTI, paciente retornou à enfermaria e após 2 dias recebeu alta hospitalar. Durante esse período internado, paciente recebeu sessões de fisioterapias diárias.
Perguntas-chave - Caso clínico
1. Sabendo que a COVID-19 é uma doença multissistêmica e de suas repercussões secundárias, a partir do caso clínico apresentado, quais avaliações adicionais tornam-se necessárias nesse paciente após a hospitalização/infecção?
Resposta e discussão: O paciente JB, apresentado no caso clínico, teve uma manifestação mais grave da doença, e isso pode ser relacionado com o fato de ser grupo de risco (idoso, diabético e hipertenso). Tendo isso em mente, entende-se que o paciente sofreu um grau de acometimento grande das suas capacidades. Sendo assim, para poder começar uma reabilitação fora do hospital, de modo seguro e que haja uma avaliação completa dos principais sistemas acometidos, alguns exames mais específicos são necessários, como:
Avaliação pulmonar: espirometria, MIP, MEP, pletismografia, difusão;
Tecp: capacidade funcional máxima;
TC6/TD6: capacidade submáxima;
Ultrassom para função endotelial;
VFC para sistema nervoso autônomo;
Questionários: do sono, estresse, ansiedade;
Força: hand grip;
Sinais vitais gerais.
2. A partir das avaliações realizadas pelo fisioterapeuta e com os exames complementares apresentados pelo paciente, quais objetivos e condutas seriam apropriadas para esse paciente?
Resposta e discussão: O objetivo da reabilitação deve ser melhorar as funções, capacidades físicas e qualidade de vida da pessoa que precisa dela. Logo, estabelecer metas que visem o retorno da capacidade funcional, melhora da força e redução de sequelas são essenciais. No entanto, o trabalho desenvolvido deve contemplar o paciente, incluindo-o no seu tratamento de forma ativa, para que ele se torne responsável também pela evolução de seu quadro clínico. Isso é feito dando espaço para que ele se expresse quanto ao que está sendo desenvolvido, informando-o sobre sua condição e tudo que ele precisa saber para tomar decisões.
Além disso, o fisioterapeuta, como profissional da saúde, tem o dever de educar o paciente quanto à doença que o acometeu, ou seja, explicar que a COVID-19 é uma doença que causa diversas mazelas cardiorrespiratórias e vasculares, explicitar os meios de infecção pelos quais o paciente possa ter sido contaminado, para ajudá-lo a se prevenir futuramente e, o mais importante, explicar que as sequelas decorrentes da doença podem nunca se curar ou demorar bastante tempo para tal, mas que o processo da reabilitação ajuda, e muito, nestes quesitos.
Por fim, mas não menos importante, o conjunto de todo esse trabalho possibilitará o retorno do paciente ao seu meio social.
Obs: é sempre imprescindível seguir as 4 etapas da reabilitação cardiorrespiratória
Intra-hospitalar. Consiste em exercícios dentro do hospital a fim de melhorar e impedir a perda de aptidão aeróbia.
Imediatamente após alta (exercícios mais leves, aumentar a carga até a fase 4)
Continua com a progressão de carga nos exercícios a fim de melhorar a qualidade de vida e a independência.
Na quarta e última fase, acontece a volta do paciente para as suas atividades normais, realizadas antes da contaminação pelo SARS-CoV-2. É importante enfatizar que muitos pacientes cometem um ato de ignorância ao retornar às atividades mais intensas, como academias e outros exercícios mais pesados, antes de atingir esta etapa da reabilitação.
3. Quando falamos em reabilitação cardiorrespiratória, devemos levar em conta diversos fatores importantes para prescrevermos e evoluirmos nossas condutas, por exemplo, a frequência cardíaca máxima e o volume máximo de oxigênio (Vo2) (capacidade máxima do corpo de um indivíduo de transportar e metabolizar oxigênio durante um exercício físico). Visto o caso acima, como podemos prescrever a intensidade dos exercícios aeróbicos apropriados, que gerem efeitos benéficos e que nos ajude a progredir para próxima etapa da reabilitação?
Resposta e discussão: Segundo a literatura, a intensidade dos exercícios aeróbicos, para se tornarem eficazes e possibilitarem aos pacientes a progressão para a próxima etapa da reabilitação, deve ser moderada. Para isso, o fisioterapeuta pode utilizar-se de diversos recursos, a fim de calcular esta intensidade.
Em clínicas e laboratórios, é possível medir a % da Frequência Cardíaca (FC) de repouso ou máxima, sendo que, segundo a literatura, exercícios moderados configuram-se por 40-60% da FC de REPOUSO, ou, para a FC MÁXIMA, 65-75%. Além disso, se possível, é interessante também realizar a medição da % do Volume de Oxigênio dissolvido no sangue arterial
Já na telereabilitação, ou mesmo em clínicas em que não é possível realizar essas medições, é possível utilizar a Escala Borg modificada, sendo que, nesta escala, um exercício moderado configura-se por uma pontuação igual a 3.
Por fim, é possível também, tanto na clínica quanto na tele, realizar testes simples para a percepção de esforço do paciente, como conversar durante o exercício. Assim, por meio desses recursos, é possível prescrever a intensidade ideal dos exercícios para a progressão do paciente para a próxima etapa da telereabilitação.

4. Sabendo da necessidade atual da telereabilitação, você usaria com esse paciente? Quais recursos você julgaria importante para utilizar? Como você realizaria a sua sessão?
Resposta e discussão: A telerreabilitação abre muitas portas para o cuidado em saúde. No entanto, é importante lembrar que ela deve ser precedida de uma consulta presencial, de modo a avaliar as condições em que o paciente se encontra por meio dos testes citados, os quais só são possíveis de serem realizados em clínicas ou hospitais. Com isso, é possível chegar a conclusões mais precisas sobre diversos fatores fundamentais para a prescrição da reabilitação, assim como minimizar os riscos a que o paciente estaria exposto, visto que o ambiente da clínica/hospital possui os equipamentos necessários para lidar com casos de emergência.
Além disso, deve-se levar em consideração o público em questão. Pessoas idosas e que têm menos familiaridade com a tecnologia podem não aproveitar 100% do que essa modalidade e recurso pode oferecer, fora que não são todos os pacientes que têm equipamentos para verificar frequência cardíaca, pressão arterial e outros parâmetros, à disposição.
Por fim, questões como a qualidade da internet e acesso aos dispositivos eletrônicos também precisam ser analisadas, já que não é uma realidade geral e pode se tornar um empecilho. Ofertar as ferramentas necessárias e ter responsabilidade quanto ao que pode ou não ser feito de maneira remota é a base para a aplicação da telereabilitação.
Referências bibliográficas:
[1] MOITINHO, Matheus Santos et al. Acute Kidney Injury by SARS-CoV-2 virus in patients with COVID-19: an integrative review. Revista Brasileira de Enfermagem [online]. 2020, v. 73, suppl 2, e20200354. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0354>. Acesso em 16 de junho de 2021.
[2] SANTANA, André Vinícius, FONTANA, Andrea Daiane e PITTA, Fabio. Pulmonary rehabilitation after COVID-19. Jornal Brasileiro de Pneumologia [online]. 2021, v. 47, n. 01. Disponível em: <https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210034>. Acesso em 17 de junho de 2021.
[3] Rebeca Nunes Silva, Cássia Da Luz Goulart, Murilo Rezende Oliveira, Guilherme Yassuyuki Tacao, Guilherme Dionir Back, Richard Severin, Mark A. Faghy, Ross Arena & Audrey Borghi-Silva (2021): Cardiorespiratory and skeletal muscle damage due to COVID-19: making the urgent case for rehabilitation, Expert Review of Respiratory Medicine, DOI: 10.1080/17476348.2021.1893169
Comments