Dor x Cinesiofobia
- plexusjr
- 23 de out. de 2021
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1. O medo de se movimentar sempre vai atrapalhar a saúde/funcionalidade?
Na verdade, não. O medo de se movimentar, em casos de lesões agudas, pode ser um mecanismo protetivo natural do organismo com o intuito de preservar os tecidos danificados. O problema da falta de movimento se dá, principalmente, em casos de dor crônica, onde o tecido já se regenerou, e o indivíduo mantém o mesmo padrão protetivo, evitando utilizar a parte do corpo envolvida com a lesão.
Desse modo, a falta de movimentação, gerada pelo medo, da estrutura envolvida, ou, cinesiofobia, em se tratando de casos de dor crônica, pode contribuir para o aumento da dor, perda de funcionalidade e queda da qualidade de vida em cerca de 50-70% destes casos. A cinesiofobia, pode gerar "compensações" nos movimentos, fazendo com que o próprio membro acometido, e até outros, passem a se movimentar de maneira não natural, gerando sobrecarga e desconforto. Ela também contribui para que os indivíduos fiquem mais sedentários. Assim, a falta de movimento faz com que os pacientes com quadros moderados a graves de cinesiofobia tornem-se sedentários, e/ou passem a desusar algumas estruturas do corpo, causando malefícios, como perda de força, função, mobilidade, amplitude de movimento etc., o que pode aumentar a dor e, consequentemente, aumentar também o medo do movimento.
2. Por que é comum as pessoas associarem a dor crônica ao movimento quando muitos estudos mostram que o exercício ou atividade é mais benéfico do que o repouso?
Porque é muito intuitivo relacionar uma lesão a um exercício ou movimento específico, assim, o paciente acredita que aquele movimento vai reproduzir ou agudizar aquela dor. Esses pacientes não percebem que mesmo em repouso há dor, e, ao movimentar, a dor não costuma aumentar, isso é importante, pois mesmo que a dor não diminua, estaremos ganhando força muscular, amplitude de movimento, funcionalidade, e estaremos modulando aquela dor do paciente, mudando a experiência do cérebro e dessensibilizando a dor ao movimento.
Além disso, a literatura afirma que, em relação à cinesiofobia, dois são os motivos principais para o início desta condição, a saber: experiências pessoais traumáticas relacionadas à uma lesão e/ou movimento e experiências adquiridas por meio de terceiros. Em relação ao primeiro ponto, pode-se afirmar que o “trauma” decorrente do movimento muitas vezes é desencadeado por uma aguda experiência de dor, onde o paciente, ao sentir tremenda dor, rapidamente a associa ao movimento daquela estrutura em específico, e passa a temer movimentá-la, sendo que, muitas vezes, a dor não decorre de lesão ou trauma tecidual. Já em relação à experiência adquirida por terceiros, a literatura afirma que, uma vez que um paciente com dor crônica ouve um relato, por exemplo, de um terceiro que, com o mesmo problema do paciente, realizou certo movimento e sentiu dor, ele passa a temer realizar certo tipo de movimento ou exercício, mesmo que nunca o tenha realizado. O mesmo vale para pacientes que recebem instruções equivocadas sobre o movimento de profissionais da saúde, os quais muitas vezes são vistos como figuras de autoridade.
Por fim, é possível afirmar também que muitas pessoas associam a dor crônica ao movimento justamente pela falta de acesso, por parte dos paciente, aos estudos que desmistificam tal assunto, assim como, por se tratar de uma nova área de pesquisa na saúde, é possível também afirmar que profissionais da saúde, há muito formados, que não atualizam-se nesta área do conhecimento, são passíveis de propagarem o conhecimento equivocado sobre a dor e o movimento.
3. Como mostrar ao paciente com dor que a cinesiofobia é uma crença equivocada sobre o movimento e incentivá-lo a mudar o comportamento?
Educá-lo sobre o movimento, e como ele é benéfico para o corpo. Explicar que o movimento em si não causa dor, o histórico de trauma dele pode ter relação com uma execução mal feita ou com exagero de cargas. Perguntar ao paciente como ele entende que o movimento causa dor, o porquê dele achar que esse movimento é danoso, desmistificar crenças, mas sempre atribuindo um caráter reflexivo nas perguntas, para que não se crie uma relação de hierarquia entre terapeuta e paciente.
Caso o paciente apresente graus moderados ou altos de cinesiofobia, uma intervenção conjunta, com educação em saúde (explicitando os efeitos negativos do sedentarismo e os efeitos positivos do movimento, frisando que o movimento não irá piorar o quadro do paciente), educação em dor e uma explicação simples e eficiente do que é a cinesiofobia podem melhorar o quadro de medo do indivíduo.
Por fim, deve ser realizado concomitantemente à educação, que é a reabilitação física. Traçar metas e objetivos simples e palpáveis para o paciente (reabilitação funcional), além de expor, gradativamente, o paciente às atividades às quais ele tem medo são intervenções e prognósticos que têm se mostrado eficientes no tratamento da cinesiofobia
4. Como diferenciar se o paciente com dor tem medo de realizar movimento ou se ele apenas acha que não é capaz de realizar exercícios sem supervisão?
Basicamente, como diferenciar cinesiofobia de baixa auto-eficácia? Simples! Basta questionar sobre a realização dos exercícios orientados e prescritos para o domicílio, sem supervisão do fisioterapeuta. Ao perguntar ao paciente sobre os exercícios, tanto os pacientes com cinesiofobia quanto os com baixa auto-eficácia relatarão que não realizaram os exercícios em casa. Contudo, ao pedir que os pacientes realizem os exercícios com supervisão na clínica, os que possuem baixa auto-eficácia irão realizar, enquanto os pacientes com cinesiofobia, independente de estarem sendo observados ou não, não irão realizar os exercícios, por terem medo do movimento.
É importante ressaltar, aqui, que a cinesiofobia e autoeficácia são dois conceitos novos na fisioterapia e muito relacionados entre si, contudo, são completamente independentes! É possível presenciar pacientes com cinesiofobia e uma alta autoeficácia, assim como pacientes com baixa autoeficácia e sem cinesiofobia, e vice-versa! O importante, para o fisioterapeuta é que, a partir do diagnóstico de um, ou dos dois quadros (cinesiofobia e baixa autoeficácia), deve-se traçar metas e objetivos que visem a melhora desses aspectos, de maneira conjunta à reabilitação funcional, sempre incluindo o paciente nas decisões do processo.
5. Nós, enquanto estagiários ou fisioterapeutas formados, podemos ajudar, ainda que sem querer, para a consolidação de crenças negativas sobre dor e movimento no paciente? Como?
Podemos! Preocupações e cuidados exagerados (“se doer, pare”), o uso de termos muito simples ou equivocados (“seu ombro está por três fios”), além de uma mistificação quanto ao exercício físico (“há de se consultar com muitos profissionais antes de começar”) podem contribuir e consolidar crenças negativas e equivocadas sobre a dor e o movimento.
Dessa forma, é necessário tomar cuidado com a maneira de passar feedbacks e a linguagem utilizada com o paciente no momento de falar sobre os exercícios. Você pode trocar as expressões citadas anteriormente por expressões que incentivem o movimento como “se sentir uma dor pior do que você costuma sentir, diminua a carga do exercício/ diminua a amplitude de movimento/ diminua o número de repetições”, evitando, assim, que o paciente abandone o exercício. No momento dos feedbacks, não desestimule o paciente mostrando que ele não sabe fazer determinado exercício, em vez disso, tente mostrar o que ele pode melhorar na execução sem usar frases negativas. Por fim, é importante sempre refletirmos se, como profissionais, estamos fazendo nosso papel da melhor forma.
Referências
Livro: Explicando a Dor - David Buttler
Siddall, Benjamin et al. “Short-term impact of combining pain neuroscience education with exercise for chronic musculoskeletal pain: a systematic review and meta-analysis.” Pain, 10.1097/j.pain.0000000000002308. 9 Apr. 2021, doi:10.1097/j.pain.0000000000002308
Xu, Yining et al. “Effect of Multi-Modal Therapies for Kinesiophobia Caused by Musculoskeletal Disorders: A Systematic Review and Meta-Analysis.” International journal of environmental research and public health vol. 17,24 9439. 16 Dec. 2020, doi:10.3390/ijerph17249439
Luque-Suarez, A., Martinez-Calderon, J., & Falla, D. (2018). Role of kinesiophobia on pain, disability and quality of life in people suffering from chronic musculoskeletal pain: a systematic review. British Journal of Sports Medicine, bjsports–2017–098673. doi:10.1136/bjsports-2017-098673
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